De acordo com a Bíblia
Nos séculos 16 e 17 a Europa cristã, católica e protestante,
acreditou em bruxas. Não era simples crendice do populacho ignorante – o
papa Inocêncio VIII baixou uma bula – Summnis Desiderantes Affectibus –
autorizando seus amados filhos, os dominicanos inquisidores, a extirpá-las.
Estes levaram o trabalho tão a sério que acabaram produzindo uma grande
enciclopédia sobre demonologia, o Malheus Maleficarum (Martelo das
Feiticeiras). As bruxas podiam e faziam quase tudo de mal, e para ter tamanho
poder certamente mantinham estreitas relações com o Demônio, talvez até mesmo
relações sexuais. Pois se não fosse assim, argumentavam teólogos católicos,
como se poderia explicar o nascimento de Lutero?
Na verdade, a crença tem sua
origem na Bíblia. No capítulo 22 do livro do Êxodo, onde estão enumeradas as
leis acerca da imoralidade e da idolatria, há esse mandamento curto e grosso: “A
feiticeira não deixarás viver”. Qualquer mulher já idosa podia ser
denunciada aos inquisidores para ser submetida a interrogatórios que
infalivelmente acabavam em condenação. Os interrogadores dispunham de um
invejável conjunto de aparelhos de tortura que tornavam inevitável o reconhecimento
da culpa: os gresilons esmagavam os
dedos dos pés e das mãos em um torno; a echelle
esticava o corpo; o tortillon
esmagava as partes mais frágeis ao mesmo tempo; o strappado era uma roldana que atirava o corpo violentamente para o
ar; o parafuso da perna, ou bota espanhola, esmagava a panturrilha e
despedaçava a tíbia; o elevador erguia
violentamente os braços atrás das costas; a cadeira
da bruxa tinha pontas de ferro e era aquecida por baixo.
Quando a perseguição foi chegando
ao auge, em toda parte começaram a ser publicadas novas enciclopédias sobre
bruxas, de autores católicos e protestantes, e seja qual for a origem, essa é
uma leitura realmente terrível. Insistem que todos os detalhes grotescos da
demonologia são verdadeiros, que o ceticismo deve ser sufocado, que os
advogados e céticos que defendem as bruxas são eles próprios demônios, que
nenhuma desculpa, nenhum atenuante é permissível, que a mera denúncia feita por
uma bruxa é motivo para queimar outra. Todos atribuiam o aumento de bruxas na cristandade
à leniência dos juízes, aos céticos em geral. Esses céticos platônicos,
herméticos, eram eles próprios bruxas e mereciam ser queimados, como Giordano
Bruno. Montaigne, que foi assistir a uma queima de bruxas numa aldeia da
Alemanha, observou, sabiamente, que “é estimar muito nossas conjecturas queimar
pessoas vivas por causa delas”.
Quem
quiser se espantar um pouco mais com essas coisas pode buscar o livro A Crise
do Século XVII, de Hugh Trevor-Roper, da Tobooks. Para encerrar, transcrevo-lhe
um pequeno trecho:
“A maior perseguição desse
período foi, provavelmente, em Bamberg. Aí o príncipe-bispo era Johann Georg II
Fuchs von Dornheim, conhecido como o Hesenbischof, ou “Bispo das bruxas”. Ele
construiu uma “casa das bruxas”, completada com uma câmara de torturas
enfeitada com textos bíblicos adequados, e em seu reinado de dez anos
(1623-33), dizem que queimou 600 bruxas. Também tinha seu profeta da Corte, seu
sufragâneo, o bispo Forner, que escreveu um livro culto sobre o tema. Uma de
suas vítimas foi o chanceler do bispo, Dr. Haan, queimado como bruxa por
mostrar suspeita leniência como juiz. Sob tortura, confessou ter visto cinco
burgomestres de Bamberg no sabá, e também eles foram devidamente queimados. Um
deles, Johannes Julius, sob violenta tortura, confessou que havia renunciado a
deus, se entregado ao demônio e visto 27 de seus colegas no sabá. Mas a seguir
conseguiu passar ocultamente da prisão uma carta para sua filha Verõnica,
fazendo-lhe um relato completo do julgamento. ‘Agora, minha querida filha”,
concluiu, “você tem aqui todos os meus atos e confissões, pelos quais devo
morrer. É tudo falsidade e invenção, assim me ajude deus ... Nunca param de
torturar até que a pessoa diga algo... Se deus não mandar um meio de trazer a
verdade à luz, toda a nossa família será queimada.”
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