segunda-feira, 1 de abril de 2013

Kafka e os fantasmas

12/10/2012, 9h36




Um dia Franz Kafka escreveu a Milena:
“Toda a desgraça da minha vida – não quero com isso me queixar, porém fazer uma observação de interesse geral – provém por assim dizer das cartas ou da possibilidade de escrevê-las. As pessoas quase nunca me atraiçoaram, porém as cartas sempre, e na verdade não as alheias, porém exatamente minhas cartas. Em meu caso é um infortúnio muito especial, do qual não quero continuar falando, porém ao mesmo tempo é também uma desgraça geral. A simples possibilidade de escrever cartas deve ter provocado – sob um ponto de vista meramente teórico – uma terrível desintegração de almas no mundo. É, com efeito, uma conversação com fantasmas (e para piorar não somente com o fantasma do destinatário, porém também com o do remetente) que se desenvolve nas entrelinhas da carta que se escreve, ou ainda em uma série de cartas, onde cada uma corrobora a outra e pode referir-se a ela como testemunha. De onde terá surgido a ideia de que as pessoas podiam comunicar-se mediante cartas? Pode-se pensar em uma pessoa distante, pode-se agarrar a uma pessoa próxima, tudo o mais fica além das forças humanas. Escrever cartas, contudo, significa desnudar-se diante dos fantasmas, que esperam isso avidamente. Os beijos por escrito não chegam a seu destino, são bebidos pelo caminho pelos fantasmas. Com este abundante alimento se multiplicam, com efeito, enormemente. A humanidade percebe-o e luta por evitar isso; e para eliminar no mais possível o fantasmagórico entre as pessoas e conseguir uma comunicação natural, que é a paz das almas, inventou a estrada de ferro, o automóvel, o aeroplano, mas não servem, são evidentemente descobertas feitas no momento do desastre, o bando oposto é tanto mais calmo e poderoso, depois do correio inventou o telégrafo, o telefone, a telegrafia sem fios. Os fantasmas não morrerão de fome, e nós em troca pereceremos.”


Kafka não viveu para ver com os próprios olhos, mas a humanidade mais uma vez reagiu, inventando o avião a jato, o supersônico, o trem de alta velocidade, automóveis cada vez mais velozes e confortáveis e estradas perfeitas para não atrasá-los. Tudo inútil: o bando oposto continuou calmo e ainda mais poderoso, e respondeu com nada menos que o celular, o e-mail e a comunidade virtual. Os fantasmas não morrerão de fome, ao contrário, estão cada vez mais gordos e saudáveis; nós também, provavelmente pereceremos mais uma vez, e nem se sabe quando poderemos erguer de novo a cabeça, se é que um dia poderemos.