12/10/2012,
9h36
Um
dia Franz Kafka escreveu a Milena:
“Toda
a desgraça da minha vida – não quero com isso me queixar, porém
fazer uma observação de interesse geral – provém por assim dizer
das cartas ou da possibilidade de escrevê-las. As pessoas quase
nunca me atraiçoaram, porém as cartas sempre, e na verdade não as
alheias, porém exatamente minhas cartas. Em meu caso é um
infortúnio muito especial, do qual não quero continuar falando,
porém ao mesmo tempo é também uma desgraça geral. A simples
possibilidade de escrever cartas deve ter provocado – sob um ponto
de vista meramente teórico – uma terrível desintegração de
almas no mundo. É, com efeito, uma conversação com fantasmas (e
para piorar não somente com o fantasma do destinatário, porém
também com o do remetente) que se desenvolve nas entrelinhas da
carta que se escreve, ou ainda em uma série de cartas, onde cada uma
corrobora a outra e pode referir-se a ela como testemunha. De onde
terá surgido a ideia de que as pessoas podiam comunicar-se mediante
cartas? Pode-se pensar em uma pessoa distante, pode-se agarrar a uma
pessoa próxima, tudo o mais fica além das forças humanas. Escrever
cartas, contudo, significa desnudar-se diante dos fantasmas, que
esperam isso avidamente. Os beijos por escrito não chegam a seu
destino, são bebidos pelo caminho pelos fantasmas. Com este
abundante alimento se multiplicam, com efeito, enormemente. A
humanidade percebe-o e luta por evitar isso; e para eliminar no mais
possível o fantasmagórico entre as pessoas e conseguir uma
comunicação natural, que é a paz das almas, inventou a estrada de
ferro, o automóvel, o aeroplano, mas não servem, são evidentemente
descobertas feitas no momento do desastre, o bando oposto é tanto
mais calmo e poderoso, depois do correio inventou o telégrafo, o
telefone, a telegrafia sem fios. Os fantasmas não morrerão de fome,
e nós em troca pereceremos.”
Kafka não
viveu para ver com os próprios olhos, mas a humanidade mais uma vez
reagiu, inventando o avião a jato, o supersônico, o trem de alta
velocidade, automóveis cada vez mais velozes e confortáveis e
estradas perfeitas para não atrasá-los. Tudo inútil: o bando
oposto continuou calmo e ainda mais poderoso, e respondeu com nada
menos que o celular, o e-mail e a comunidade virtual. Os fantasmas
não morrerão de fome, ao contrário, estão cada vez mais gordos e
saudáveis; nós também, provavelmente pereceremos mais uma vez, e
nem se sabe quando poderemos erguer de novo a cabeça, se é que um
dia poderemos.