sábado, 5 de setembro de 2009

Realidades inconciliáveis

Contos fantásticos do século XIX
O fantástico visionário e o fantástico cotidiano

Organização de Italo Calvino
Cia. Das Letras, 2004

Feliz decisão da editora em nos apresentar essa obra, calorosamente recebida pela crítica. Italo Calvino fez uma divisão em que seus escolhidos apontam para o futuro, no caso do fantástico visionário, ou para o presente, os do cotidiano. Todos eles com a mesma característica – a capacidade de agarrar o leitor na primeira linha, e não deixá-lo em paz até o ponto final. Explica o organizador: “”Seu tema (do conto fantástico) é a relação entre a realidade do mundo que habitamos e conhecemos, por meio da percepção da realidade, do mundo do pensamento que mora em nós e nos comanda. O problema da realidade daquilo que se vê – coisas extraordinárias que talvez sejam alucinações projetadas por nossas mentes; coisas habituais que talvez ocultem sob a aparência mais banal, uma segunda natureza inquietante, misteriosa, aterradora – é a essência da literatura fantástica, cujos melhores efeitos se encontram na oscilação de níveis de realidades inconciliáveis.”
A seleção é abrangente e variada. Estão presentes escritores muito importantes como Honoré de Balzac, Nikolai Gogol, Prosper Merimée, Edgar Allan Poe, Hans Christian Andersen, Charles Dickens, Ivan Turguêniev, Auguste Villiers de l’Isle-Adam, Guy de Maupassant, Robert Louis Stevenson, Henry James,para só citar uma parte dos contemplados. Cada um com um único conto.

Publicado originalmente em D.O. Leitura, maio/junho de 2004

A riqueza do Brasil

Patrimônio ambiental brasileiro
Coleção Uspiana Brasil 500 anos

Organizador: Wagner Costa Ribeiro
Imprensa Oficial/Edusp, 2003

Patrimônio ambiental – este é um campo em que o Brasil pode ser proclamado efetivamente rico. Estima-se que entre 10% e 20% das espécies animais e vegetais, e quantidade equivalente da água doce disponível no mundo, estejam por aqui. É disso que trata este livro, da forma mais ampla e abrangente: especialistas da Universidade de São Paulo das áreas de Humanidades e Ciências da Terra e da Vida foram chamados a colaborar na sua elaboração. Trata-se, assim, de uma reflexão plural que ataca o objeto de estudo, simultaneamente, pelo lado dos problemas, do passado, do presente, das perspectivas para o futuro.
Pode-se dizer com segurança que a devastação ambiental, no Brasil, começou logo a seguir ao descobrimento, tanto que o pau-brasil, nosso primeiro sucesso de exportação, logo caiu em ameaça de extinção. As novas terras foram ocupadas de forma predatória, como, aliás, se fazia em toda parte naquela época: tratava-se de recolher as riquezas possíveis, de forma rápida. Depois vieram a ocupação, o desenvolvimento dos ciclos agrícolas – com a cana de açúcar e o café, por exemplo, perdeu-se quase toda a Mata Atlântica do litoral. A industrialização dilapidou depósitos de minerais, como a bauxita, o manganês, o ferro, na maior parte usados para exportação. A modernidade, finalmente, trouxe novas e mais eficientes formas de exploração agrícola intensiva dos solos, que sofreram erosão, perderam nutrientes, exigiram adubos e defensivos para se tornarem outra vez produtivos, o que levou à poluição das águas subterrâneas.
Leis e regulamentos produzidos pelos governantes na colônia, no império e no começo da República tentaram inutilmente coibir algumas dessas práticas predatórias. O assunto só entrou, significativamente, nas preocupações das pessoas no final do século 20. O mundo chega ao século 21 empenhado em salvar o que ainda resta, e o Brasil, apesar desse passado doidivanas, é um dos raros milionários com riquezas para exibir e desfrutar.
Diz o texto de apresentação: “O descompasso entre países detentores de tecnologia e países com estoque de informação genética foi uma das razões para a articulação da ordem ambiental internacional, um conjunto de convenções que procura regular a ação humana em escala mundial para mitigar problemas ambientais (...) Com este livro, pretende-se avaliar os impactos ambientais associados à desigualdade social brasileira ao longo da história do país e apontar diretrizes para o futuro. Um futuro que já exige ações dos dirigentes do país e que alcança repercussão nacional e internacional, como nas conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas.”
Publicado originalmente em D.O. Leitura, maio/junho de 2004.

Próximos de nós

Um rio chamado Atlântico
Alberto da Costa e Silva
Nova Fronteira/Editora da UFRJ, 2003

Aqui estão reunidos artigos que o autor publicou em diferentes locais, a partir de 1961, todos sobre a África, a outra margem do rio chamado Atlântico. Costa e Silva dispensa especiais amor e interesse por esse continente, onde passou boa parte de sua vida profissional, como diplomata. Isso lhe permitiu recolher abundante material arqueológico, antropológico e histórico, com os quais já nos presenteou com três livros luminosos – “As relações entre Brasil e a África negra, de 1822 à I Guerra Mundial”, “A enxada e a lança: a África antes dos portugueses”, e “A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700”.
Sobre essa coletânea de ensaios ele observa: “Preocupados com nós próprios, com o que fomos e somos, deixamos de confrontar o que temos por herança da África com a África que ficou do outro lado do Atlântico”. E avança na advertência: “Se, após 1500, não se pode estudar a evolução do Brasil sem considerar as mudanças na política portuguesa e o que se passava num império de que fazíamos parte e que se alongava de Macau a Lisboa, os três séculos de comércio de escravos ligam indissoluvelmente os acontecimentos africanos, sobretudo os da África Atlântica, à vida brasileira”.
E conclui: “A história da África é importante para nós, brasileiros, porque ajuda a explicar-nos.”

Publicado originalmente em D.O. Leitura, abril de 2004.

Federico Garcia Lorca

Obra poética completa (edição bilíngüe)
Tradução: William Agel de Melo
São Paulo, Editora da UnB/Imprensa Oficial do Estado

Concorda-se, em geral, com a observação de que a poesia de Garcia Lorca é puramente espanhola. Também é certo que ele nunca esteve preso a correntes, movimentos ou escolas. Como observa Ático Vilas-Boas da Mota, apresentador desta edição das obras completas, ele “sabia aproveitar praticamente as lições de quase todas as tendências e escolas literárias para desembocar no artesanato da palavra, seu ofício maior”. Não falta, ainda, quem atribua muito de sua repercussão, também fora do país, ao destino trágico do escritor, que sem ser propriamente um engajado político, embora tivesse manifestado apoio ao campo republicano, foi morto pelas forças reacionárias que tomaram a Espanha de assalto, na mesma época em que o nazismo alemão e o fascismo italiano deslumbravam partes da Europa.
Foi um poeta moderno, que cultivou amizades no campo do surrealismo, como o pintor Salvador Dali e o cineasta Luís Buñuel, mas não se deixou influenciar, embora muitos vejam alguma coisa de surrealista, sobretudo em seu teatro, onde despontam obras consagradas como Yerma, Bodas de sangre, La casa de Bernarda Alba. Como quase todas as edições da obra completa de Garcia Lorca, esta também traz a série de desenhos com que ele a ilustrou, ao longo da curta vida de 38 anos.
Publicado originalmente em D.O. Leitura, 2005

Oportuna reedição

Dicionário de política
Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino
Tradução de Carmem C. Varriale, Gaetano Lo Monaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto Cascais e Renzo Dini
São Paulo, Imprensa Oficial/Editora da UnB, 2004

As edições deste livro portentoso, quase duas mil páginas, em dois volumes, sucedem-se com regularidade, prova de que se mantém atual e consegue angariar sempre novos leitores. Os doutos autores que nele trabalharam – 122 mestres consagrados em diferentes matérias distribuídos por universidades espalhadas pelo mundo, sob o comando do notável pensador italiano Norberto Bobbio, auxiliado pelos colegas Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquini – dedicam-no a um leitor “não especialista, ao homem culto e aos estudantes de segundo grau e nível superior, e a todos os que lêem revistas e jornais políticos, aos que ouvem conferências e discursos, aos que participam de comícios ou que assistem a debates na televisão, dirigidos por especialistas ou políticos profissionais”.
Não sem razão, pois “a linguagem política é notoriamente ambígua” e “a maior parte dos termos usados no discurso político tem significados diversos”. Tal variedade depende “tanto do fato de muitos termos terem passado por longa série de mutações históricas – alguns termos fundamentais, tais como democracia, aristocracia, déspota e política foram-nos legados por escritores gregos –, como da circunstância de não existir até hoje uma ciência política tão rigorosa que tenha conseguido determinar e impor, de modo unívoco e universalmente aceito, o significado dos termos habitualmente mais utilizados”,
Trata-se de obra “exaustiva”, dizem ainda os autores, e isso torna mais notável a popularidade de que desfruta. A reedição, portanto, justifica-se, e parece bem oportuna, dadas as singularidades da vida política brasileira neste momento, quando um partido oposicionista tenta consolidar-se no poder, recorrendo a variados métodos para conquistar apoios e consolidar alianças, entre alguns dos seus adversários do passado, o que leva os meios de comunicação, em geral, a dedicarem a essas questões tempo e espaço acima do que seria considerável aceitável em tempos menos agitados. Por isso mesmo, essa sensação de oportunidade se estende ao campo internacional, onde conflitos e guerras se sucedem, e agora desponta a incomum necessidade de substituição de um chefe de Estado de envergadura descomunal, como o Papa.
Sobre o coordenador do trabalho escreve apropriadamente o sociólogo e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, num curto prefácio a esta quinta edição: “Se a condição de intelectual com vida ativa já o recomendava, até para a identificação dos temas de real relevância, esforços enciclopédicos como a feitura do Dicionário somente puderam prosperar pela vocação multidisciplinar de Norberto Bobbio.” Um militante das soluções pacíficas, “que se opunha com contundência à lógica da dissuação nuclear, ao equilíbrio do terror”, que considerava inconsistente com todas as tentativas feitas até então para se dar um sentido à humanidade. “A Guerra Fria terminou”, lembra Fernando Henrique, “dando lugar a um conflito de fundamentalismos, que parece reclamar, para a sua superação, a mesma terapia: coordenação multilateral e uma nova ética, inspirada nos valores da paz e da democracia.”

Publicado originalmente em D.O. Leitura, 2005

Incertezas e angústias

QUESTÃO DE ÊNFASE
Susan Sontag
Tradução de Rubens Figueiredo.
São Paulo, Companhia das Letras, 2005

São 41 textos, publicados num período de vinte anos, divididos em três partes: “Ler”, dedicada a livros e escritores; “Ver”, que trata das artes visuais e dos espetáculos; na terceira, “Lá e aqui”, exibe-se a extraordinária versatilidade dessa intelectual americana que nunca aceitou separar “a vida contemplativa” da “vida ativa”: uma mistura de lembranças de viagens, dos momentos de isolamento criativo, um relato da loucura que foi dirigir a peça Esperando Godot, de Samuel Becket, na Sarajevo sitiada durante a guerra da Bósnia. Feito a que ela apresentou uma justificativa: “Cultura, cultura séria, é uma expressão da dignidade humana”.
Na primeira parte, é impossível para nós, brasileiros, ignorar o ensaio de 14 páginas dedicado ao livro Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Além de reservar-lhe tão grande espaço, a escritora brinda-o com elogios consagradores: “È, pelo visto, um desses livros arrebatadoramente originais, radicalmente céticos, que sempre impressionarão os leitores com a força de uma descoberta particular. É pouco provável que soe como um grande elogio dizer que esse romance, escrito mais de um século atrás, parece bem... moderno.” Sontag espanta-se de que tal escritor seja tão pouco conhecido no mundo, e sobretudo que seja tão pouco lido nos países sul-americanos, “como se ainda fosse difícil digerir o fato de que o maior romancista produzido pela América Latina tenha escrito em português e não em espanhol”.
Em carta póstuma, dirigida ao argentino Jorge Luís Borges, por um triz não caiu em contradição, ao lembrar o que dissera em entrevista concedida antes da morte do escritor: “Não existe hoje um escritor vivo mais importante para os outros escritores do que Borges. Muitos diriam que ele é o maior escritor vivo hoje (...) Muito poucos escritores de hoje não aprenderam algo com ele ou não o imitaram.”
O fato é que ela percorre com desenvoltura e graça grande variedade de territórios. O cinema, depois de quase cem anos acumulando glórias, parece-lhe afundar-se “num declínio irreversível e degradante”. Sobre os dançarinos observou, argutamente: “Toda vez que parabenizei um amigo ou conhecido que é dançarino por sua excelente apresentação – e incluo Baryshnikov –, ouvi antes de tudo uma desolada ladainha de erros cometidos: perde-se uma batida, um pé não ficou apontado na posição correta, houve um ligeiro escorregão numa complicada manobra com o par (...) Em nenhuma outra arte se pode encontrar um abismo comparável entre aquilo que o mundo pensa de um astro e aquilo que o astro pensa a respeito de si”. Sobre a ópera de Wagner, escreveu: “Observou-se desde o início que ouvir Wagner produzia um efeito semelhante a consumir psicotrópicos: ópio, disse Baudelaire, álcool, disse Nietzsche”. E concluiu, arrasadora: “Os altos valores redentores e aliciantes que Wagner acreditava expressar em suas obras foram desacreditados de vez (devemos isso à ligação histórica entre a ideologia wagneriana e o nazismo). Poucos cogitam ainda, como fizeram gerações de admiradores e de tementes de Wagner, acerca do que suas óperas dizem. Agora Wagner é apenas desfrutado ... como uma droga.”
Sobre a ópera em geral, observou: “Todas as artes feitas com música – porém, mais do que qualquer outra, a ópera – aspiram à experiência do êxtase”. O mundo da fotografia oferece-lhe a oportunidade para discorrer sobre o eterno conflito homem x mulher: “Queira ou não, um livro de fotos de mulheres terá de levantar a questão das mulheres – não existe nenhuma equivalente ‘questão dos homens’. À diferença das mulheres, os homens não são uma obra em andamento”.
E finalmente, a certeza que extraiu do exercício de seu trabalho: “Aí está a grande diferença entre ler e escrever. Ler é uma vocação, uma habilidade na qual, mediante a prática, certamente nos tornamos mais aptos. O que acumulamos como escritores são sobretudo incertezas e angústias.”
Publicado originalmente em D.O. Leitura, março de 2005

O petróleo é do Lula

Em março de 1958 Jânio Quadros governava São Paulo e começava a campanha para a escolha de seu sucessor. Sem estar ligado a nenhum partido, formalmente ou espiritualmente, Jânio era apoiado por uma base aliada surrealista – a democracia cristã de Franco Montoro, o socialismo de Wilson Rahal e Cid Franco, dois partidos trabalhistas, o Nacional de Emílio Carlos e o Social de um líder tão insignificante que nem lembro seu nome, E a UDN, claro, de Abreu Sodré e Herbert Levy, mais encorpada. A base aliada havia imposto a candidatura do secretário da Fazenda, Carvalho Pinto, que havia feito um notável trabalho de arrumação das finanças do Estado, mas como candidato, valha-me deus... Perto dele, Dilma Roussef pode ser considerada uma demagoga das boas.

A campanha não deslanchava e convocou-se uma reunião de emergência para a casa de Emílio Carlos – a base pretendia dar um aperto em Jânio, para que começasse a se empenhar pessoalmente pela vitória. Emílio Carlos morava num casarão nos Jardins, com uma enorme porta de vidro fosco dando para a rua, da qual estava afastada uns 50 metros. Repórter novato de política, eu estava ali de plantão, esperando o fim do encontro para apurar as novidades. Não havia luz no alpendre, de modo que dava para enxergar os vultos das pessoas lá dentro, pelo vidro fosco, a gesticulação agitada, até identificar alguns deles, mas não dava para ouvir. Com a cumplicidade do motorista do carro oficial de Jânio, pulei o portão e fiquei encostado na porta, e ali sim, dava para ouvir tudo claramente, até porque eles discutiam em voz alta.

Queriam que Jânio comparecesse aos comícios que estavam sendo realizados com audiências ridículas. O governador foi peremptório: “A comícios de quinhentas pessoas não vou. Quinhentas pessoas eu reúno agora, batendo numa lata na Praça da Sé”. Era mais de meia-noite. Seguiu-se a discussão, entrou-se na estratégia da campanha – e a base achava indispensável botar uma pitada de nacionalismo na pregação. Afinal, a campanha do petróleo é nosso ainda ressoavam pelos ares, a Petrobrás já era uma realidade legal, embora claudicante como empresa, e o petróleo era nosso, graças ao monopólio que a oposição enxertara no projeto original de Getúlio Vargas, só para atrapalhar, pensavam eles. Jânio resistiu, achava que essa questão da exploração do petróleo pelo Estado estava fora de moda. Um dos representantes socialistas ousou contestá-lo, citando o exemplo do Iraque, que estava se tornando uma potência milionária. Jânio cortou-lhe a palavra rispidamente: “O Iraque, rapazinho, é outro problema. O Iraque tem petróleo e este país não tem.”

Meu coração gelou. O foca condenado ao plantão nas reuniões da madrugada estava consagrado. Nenhum político daquela época, nem mesmo Carlos Lacerda, teria coragem de declarar que o Brasil não tinha petróleo. Jânio, é claro, acreditava estar falando numa reunião fechada, sem a imprensa por perto (será que acreditava mesmo? Até hoje carrego essa dúvida atroz. Aquela ajuda que o motorista me deu para pular o portão e chegar ao alpendre não teria sido previamente combinada com o patrão?) Terminada a reunião, reuni as declarações rotineiras dos participantes, todos me garantiam que agora a campanha ia engrenar, e fui para a redação escrever a minha manchete sensacional. Naquele tempo a Folha era As Folhas: o matutino Folha da Manhã, o primeiro vespertino Folha da Tarde, e o segundo vespertino cheio de amenidades Folha da Noite.

A Folha da Manhã já estava sendo impressa. Os editores da Folha da Tarde não deram a menor bola para a minha matéria, o tchan deles era o noticiário de polícia. A Folha da Noite, que fechava ao meio-dia do dia seguinte, deu-lhe uma chamadinha na primeira página, mas isso não significava nada, pois era o nosso jornal clandestino, ninguém lia. A Folha da Manhã, o matutino quente mesmo, publicou-a num canto qualquer – afinal, era notícia velha, de dois dias atrás. E assim caminhou a campanha, com todo mundo certo de que seria uma barbada para Adhemar de Barros, o ex-governador e ex-interventor, simpático e sorridente, hábil nos palanques e no trato direto com os eleitores, que já governara o Estado duas vezes, e exibia três bandeiras espetaculares de suas passadas administrações: a construção do Hospital das Clínicas, o asfaltamento da rodovia Anhanguera, entre São Paulo e Campinas, e o asfaltamento da rodovia Anchieta, que liga São Paulo ao porto de Santos. Não chegava a 200 quilômetros de asfalto, mas era um portento.

Rolou a campanha, Jânio começou a participar dos comícios, a televisão era uma coisa muito secundária, e Carvalho Pinto começou a encorpar, apesar da escassa vocação para o trabalho de candidato. Graças à sua arrumação das finanças, Jânio tinha dinheiro para implementar o seu PAC, um formidável plano de asfaltamento de estradas, que transformou todo o Estado em um gigantesco canteiro de obras – o asfalto chegava a todos os cantos, ao mesmo tempo. Foi uma manobra de extrema argúcia estratégica – a nascente indústria automobilística começava a despejar fuscas, kombis, gordinis e aero-willys na praça, e os brasileiros começavam a comprá-los vorazmente.
Nossa equipe da reportagem política, eu, Cláudio Coletti, Enio Pesce e Roland Marinho Sierra viajávamos todos os fins de semana para o interior, acompanhando os três candidatos – Adhemar, Carvalho Pinto e Auro Moura Andrade, que concorria pelo poderoso PSD do presidente Juscelino Kubitschek, mas era um zero à esquerda em São Paulo. E começamos a descobrir que fora da capital, havia um verdadeiro deslumbramento com o programa do asfalto. O passeio de fim de semana das famílias agora proprietárias de um automóvel era reunir parentes e vizinhos e correr a estrada, em direção à capital, para ver onde o asfalto já chegara. Semana após semana, acompanhava-se o avanço das obras metro a metro. Era uma empolgação. Quando começamos a trazer essas impressões para a redação, quase apanhamos fisicamente – consideravam-nos janistas empedernidos, ou, quando a coisa engrossava mesmo, subornados pelo governo. Adhemar estava ali, com seu sorriso, a velha expressão carinhosa “meu povo”, barbadona.
Lembro que o Ênio Pesce fez um monte de apostas, nada a dinheiro, coisas do tipo raspar o bigode, carregar de cavalinho dando dez voltas na redação. Não havia pesquisas eleitorais (nem exames pré-natais, de modo que urna, barriga de mulher e cabeça de juiz eram, ainda, coisa para se conhecer só depois da apuração). Ênio ganhou todas as apostas. Carvalho Pinto deu uma lavada tão espetacular em Adhemar, que este desapareceu logo após o início da acachapante contagem dos votos, e até correu o boato de que se suicidara. Jânio, apesar da coragem de dizer que o Brasil não tinha petróleo, cresceu, chegou a presidente da República apesar de ser um entreguista notório. O petróleo, este sim, continuava nosso, e a Petrobrás até contratara um especialista americano para orientar as pesquisas. Logo, porém, descobriu-se que, na verdade, ele era um façanhudo espião da CIA, que aqui estava apenas para sabotar nossa política petrolífera – não era a toa que seu relatório final confirmava o palpite do Jânio, o Brasil não tinha petróleo.
O tempo correu, Jânio se elegeu e renunciou, passou o fugaz governo João Goulart, veio a ditadura – e finalmente alguém teve a coragem de reconhecer que o odiado Mister Link era apenas um honrado, discreto e competente geólogo que acertara na mosca – o Brasil realmente não tem petróleo – em terra. Coube ao presidente Ernesto Geisel, que não precisava de votos nem do apoio dos eleitores, a glória de descobri-lo abundante no fundo do mar, e a Petrobrás, de que ele fora presidente, tornou-se uma grande e respeitada empresa do ramo. Geisel, dizia-se, acertara os 13 pontos na loteria esportiva – a única de que dispúnhamos, na época, anos 1970. Lula, agora, com o pré-sal, acertou na mega-sena, muito mais endinheirada e encorpada.
Lembro tudo isso para constatar que o petróleo, finalmente, entra para valer na campanha eleitoral, provavelmente com o mesmo peso que teve o asfalto na paulista de 1958. E a oposição, que já se lambusara toda na condução do combate às malfeitorias cometidas no Senado, bisonhamente oferece a Lula a oportunidade de consagrar-se como o herói do nosso petróleo, assumindo ela própria a feição do malfeitor da CIA que, acreditou-se no passado, era o pacato Mister Link. Lula até vacilou, e admitiu, por um momento, suspender o regime de urgência para a tramitação dos projetos no Congresso. Mas caiu em si (ou alguém o induziu a isso, não importa) e voltou a insistir na urgência. A oposição, com certeza, vai insistir na cobrança de mais tempo, no desespero vai dificultar e atrasar as votações, e vai dar o mote mortal para a campanha do próximo ano. Não podemos esquecer que no segundo turno da eleição passada, Alckmin teve a maior dificuldade para lidar com as citações das passadas privatizações.
Em 1958, Jânio acertou ao falar mal do petróleo, pois tinha o asfalto escondido na algibeira. A oposição tem os telefones abundantes – mas isso ela já admitiu, em praça pública, foi um pecado, não uma glória.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Paulistas e mineiros na política

Em 25 de fevereiro de 1919 o jurista paraibano Epitácio Pessoa, chefe da delegação brasileira na Conferência de Versalhes, que decidiria as reparações a serem pagas pela Alemanha às nações que a derrotaram na primeira guerra mundial, recebeu um telefonema do ministro (embaixador) brasileiro na França: de Paris ele lhe comunicava que o Partido Republicano, tendo em vista o falecimento do presidente da República eleito, o paulista Rodrigues Alves, e o mau estado de saúde do vice Delfim Moreira, mineiro, decidira lançar sua candidatura para a eleição em que seria escolhido o novo presidente. Epitácio agradeceu, mas mandou informar que, antes de regressar ao Brasil, viajaria à Itália, Bélgica e Estados Unidos, cujos governos o haviam convidado formalmente. Enquanto o candidato viajava tranquilamente, foi realizada a eleição aqui no Brasil – ele obteve cerca de 250 mil votos, contra 120 mil do adversário Rui Barbosa.
Em junho, o já presidente ainda estava em Washington e, pelo telégrafo, articulou a escolha do presidente da Câmara dos Deputados e do líder da bancada governista – o primeiro cargo ficou com um deputado mineiro, o segundo com um paulista. No fechado sistema político da chamada República Velha, que se estendeu da proclamação da República, em 1889, à revolução de 1930, coisas grotescas como essa não chegavam a surpreender. Mas merece destaque o cuidado por ele demonstrado com a escolha do presidente da Câmara e do líder da bancada: um mineiro e um paulista. Naquela época, Minas Gerais era o Estado mais populoso, e por isso mais influente politicamente. São Paulo vinha a seguir, compensando com o poder da crescente economia cafeeira o menor eleitorado. O Rio Grande do Sul vinha em um mais distante terceiro lugar. Os demais eram figurantes.
Há uma tendência a reduzir o sistema político daquele período a um férreo acerto entre mineiros e paulistas para tomar conta do poder. Na verdade, a política da República Velha foi uma permanente negociação entre lideranças fortes em seus Estados – e paulistas e mineiros estavam juntos no topo da pirâmide. O eleitorado tinha reduzida importância, ou talvez nenhuma importância, como fica evidente no episódio da eleição bissexta de Epitácio Pessoa. Os políticos paulistas haviam se destacado no movimento pela proclamação da República – a famosa Convenção de Itu ficou sendo o marco mais brilhante daquela pregação. Por isso, depois que o imperador Pedro II foi despachado para o exílio e cumpriu-se o desastrado período em que a Presidência da República foi exercida por dois militares, o poder voltou naturalmente para os civis.
E São Paulo emplacou três presidentes sucessivos: Prudente de Morais, Campos Salles e Rodrigues Alves. Foi Campos Salles, pelas mãos do governador (então chamado presidente) de São Paulo, Rodrigues Alves, quem estruturou o arcabouço do que viria a ser a Política dos Governadores: os resultados das eleições populares passaram a depender da anuência das casas legislativas, as Assembléias, nas eleições estaduais, e a Câmara dos Deputados, nas eleições federais. Isso levou inevitavelmente ao sistema de partido único – o poderoso Partido Republicano Federal, na verdade um amontoado de Partidos Republicanos estaduais. As divergências, quando se manifestavam, era dentro do partido oficial, e lá mesmo eram solucionadas, sempre pela negociação, pois uma eventual vitória de um dissidente jamais seria reconhecida pela Assembléia ou pela Câmara.
Rodrigues Alves encaminhou naturalmente a candidatura do mineiro Afonso Pena para a sua sucessão. Este, logo de saída, promoveu a assinatura do Convênio de Taubaté, estabelecendo a base do que seria a política econômica de seu governo, em torno do café e, aí sim, estabeleceu-se uma aliança Minas-São Paulo, formal, mas nem assim capaz de garantir aos dois Estados o controle permanente do processo político. Foi exatamente durante o governo de Afonso Pena que despontou uma poderosa liderança política, nem mineira, nem paulista, capaz de perturbar o panorama: o gaucho Pinheiro Machado. Que conseguiu as proezas de levar à presidência, primeiro o fluminense Nilo Peçanha e, depois o ministro da Guerra, marechal Hermes da Fonseca.
Mas quando Pinheiro Machado ensaiou lançar-se ele próprio candidato à sucessão do marechal, aí sim, Minas e São Paulo deram-se as mãos oficialmente, para colocar as coisas nos eixos. Foi para o governo o mineiro Wenceslau Braz, a política voltou à velha rotina e seu sucessor seria Rodrigues Alves, que morreu antes da posse e levou àquela sui generis eleição de Epitácio Pessoa. Que foi sucedido pelo mineiro Artur Bernardes, por sua vez sucedido pelo paulista Washington Luiz, que teve a infeliz idéia de tentar entregar o poder a outro paulista – Júlio Prestes. O problema não era ser outro paulista, mas ser um político ainda jovem, passando a perna na implacável raposa mineira Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que aguardava sua vez. Minas aliou-se ao projeto oposicionista do gaucho Getúlio Vargas e embora o governo, como sempre, vencesse a eleição, a custa de muita fraude, não ficou com o poder: foi atropelado pela Revolução de 1930, que tudo mudou.
De 1930 a 1945 o Brasil teve um só presidente: o gaucho Getúlio Vargas. Os quatro primeiros anos como presidente provisório, comandante da revolução vitoriosa; outros três como presidente eleito indiretamente pelo Congresso Nacional; os outros oito como ditador incontrastado. Paulistas e mineiros participaram de todas essas fases, como ministros e altos funcionários do governo federal, mas não havia atividade política propriamente dita a exercer. Getúlio nomeou interventores para governarem todos os Estados, e assim fez nascer uma nova geração de lideranças que trabalharam em surdina, durante a ditadura, e desabrocharam para a luz do sol, quando se restabeleceu o regime democrático, em 1945. E então aconteceu o imprevisto: Minas, que fornecera a maior parte dos políticos e intelectuais adversários da ditadura, signatários de um notável manifesto, com centenas de assinaturas, defendendo o restabelecimento da democracia, voltou à antiga posição de liderança; São Paulo, que lutara de armas na mão contra a ditadura, ficou marginalizado.
Talvez seja porque, na memória política nacional, a Revolução Constitucionalista de 1932 ficou registrada mais como um movimento separatista do que democrático. O fato é que no novo sistema político formaram-se muitos partidos, mas apenas três realmente fortes: pela ordem de grandeza, o Partido Social Democrático, que reunia lideranças estaduais, algumas originadas ainda na República Velha, aliadas de Getúlio; a União Democrática Nacional, onde estavam os adversários do ditador; e o Partido Trabalhista Brasileiro, fundado pelo próprio Getúlio, fortíssimo no Rio Grande do Sul e figurante nos outros Estados.
Durante vinte anos, PSD e UDN alternaram-se no governo de Minas Gerais, rivais inconciliáveis, mas ali o PTB sempre foi pequeno. Em São Paulo, os três sempre foram insignificantes. A política estadual, nos mesmo vinte anos, foi dominada pelo interventor nomeado por Getúlio, Adhemar de Barros, nos primeiros dez anos, e por seu inimigo Jânio Quadros, nos outros dez. Minas emplacou um presidente da República, Juscelino Kubitschek, que fez um governo notável; São Paulo emplacou Jânio Quadros, que fez um governo catastrófico, embora durasse poucos meses. E assim, como aconteceu das outras vezes em que os políticos dos dois Estados se desuniram, a política nacional destrambelhou, e vieram vinte anos de ditadura militar, em que todos os políticos ficaram longe do poder.

A volta à democracia, enfim, foi uma conquista tenazmente batalhada ao longo desses vinte anos, e consagrou uma nova aliança política Minas e São Paulo, nas figuras exemplares de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. A dança das cadeiras recomeçou com o mineiro Tancredo Neves, que, como Rodrigues Alves, não chegou a assumir, e deixou a presidência para seu vice, José Sarney, nordestino como Epitácio. Na primeira eleição direta do período, deu outro nordestino, Fernando Collor, que foi cassado antes de completar o mandato, abrindo vaga para seu vice, o mineiro Itamar Franco. E então São Paulo, que na luta pela redemocratização fora pioneiro na mobilização da opinião pública, voltou aos tempos gloriosos do pós proclamação da República: dois presidentes paulistas vão governar o país por longos 16 anos seguidos: Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva.
Com certeza não se trata de outro acidente do destino: foi em São Paulo que se formaram os dois grandes partidos que desde a redemocratização dominam a cena política nacional, fortes em quase todos os Estados. Ali surgiu o novo movimento sindical, livre das amarras que no tempo do getulismo o tornavam dependente do poder público. Certamente, no Brasil já não se faz política pensando apenas, ou principalmente, em acomodar lideranças poderosas – agora o que conta é a opinião pública, principalmente. Não há mais política de governadores para reconhecer ou não resultados eleitorais.
Ainda assim, o velho enigma novamente se coloca, desta vez apenas para a oposição, mas com reflexo inevitável em todo o palco, e com muita possibilidade de ser apenas uma farsa, como ensinava o velho Marx, citando Hegel: Serra ou Aécio? Ou Serra e Aécio? Será possível Serra contra Aécio?
Continuando a interrogar a esfinge: estarão paulistas e mineiros unidos? E se estiverem, desta vez será bom ou mau para o Brasil?

Quem governa para quem

Quem governa para quem

Sem argumentos para refutar a carta aberta divulgada por Fernando Henrique Cardoso, o presidente da República recorreu a um dos seus bordões favoritos: “São pessoas acostumadas a governar o Brasil para 30 milhões de pessoas, nós estamos governando para 190 milhões de pessoas”. Esclarecimento necessário: não é que faltem argumentos para refutar Fernando Henrique – eles até abundam; apenas o presidente não sabe manuseá-los. Prefere repetir seus bordões.

Poderia registrar que as mais recentes pesquisas de intenção de voto informam que aqueles 30 milhões para quem Fernando Henrique e seus antecessores governaram estão, no momento, afinados com a reeleição – sinal de que esta não lhes parece algo assustador. E levar este artigo por esse caminho. Mas prefiro tomar outro rumo. Pego dois volumes do historiador Edgard Carone – A segunda República e A terceira República – para me abastecer de dados precisos. Vamos a eles.

Getúlio Vargas parte de Porto Alegre em direção ao Rio de Janeiro no dia 3 de outubro de 1930, à frente de uma força armada. No dia 24 os chefes do Exército organizam-se em uma Junta Governativa, depõem o presidente Washington Luís e tentam negociar a sua participação no novo poder que vai se organizar. Não há negócio a fazer – Getúlio assume o governo, ainda chamado provisório, no dia 3 de novembro. Poucos dias depois, o governo se torna definitivo e aqueles chefes militares caem no esquecimento.

É fácil imaginar que o novo presidente tivesse mil coisas para pensar e cuidar nesses primeiros dias tão conturbados. Pois já no discurso de posse, ele começou a governar também para os 160 milhões de brasileiros (naquele tempo com certeza não eram tantos) de que o atual presidente se julga o primeiro e único benfeitor: prometeu criar o Ministério do Trabalho, “destinado a superintender a questão social, o amparo e a defesa do operariado urbano e rural”. A promessa foi cumprida transcorridos escassos 23 dias: o Ministério foi criado e entregue a um ativo articulador da revolução, Lindolfo Collor, avô do nosso conhecido e deposto presidente Fernando Collor.

Getúlio não era um operário nem um retirante nordestino como o atual presidente, ao contrário, era um escolado integrante da elite branca de que fala sempre o governador Cláudio Lembo – governou o Rio Grande do Sul, foi deputado federal em várias legislaturas, ministro da Fazenda. Outra vez ao contrário de Lula, chegou ao poder pela força das armas sabendo muito bem o que ia fazer. E fez logo, inclusive na área social: à criação do Ministério seguiram-se, em rápida sucessão, a Lei dos Dois Terços, vigoroso ataque ao desemprego na área industrial – ela limitou o ingresso de trabalhadores imigrantes e obrigou empresas estrangeiras aqui estabelecidas e contratarem trabalhadores brasileiros. Depois vieram a regulamentação do trabalho feminino, com uma regra básica – trabalho igual, salário igual –, do trabalho infantil, a jornada de 8 horas diárias, as férias anuais de 15 dias úteis, os institutos de assistência e previdência social, a organização dos sindicatos. Os outros 30 milhões chiaram – o sindicato patronal dos bancos, por exemplo, em correspondência dirigida ao presidente, anunciava que, diante de tais medidas, “grandes bancos nacionais resolveram suprimir imediatamente grande parte, se não a maioria de suas agências”.

Bobagem, ninguém foi à falência. Mas os patrões resistiram bravamente às novidades. Tanto que o salário mínimo precisou esperar a instituição da ditadura do Estado Novo, em 1937, para ser instituído por decreto presidencial. Com essa facilidade, várias outras providências, igualmente assustadoras para os patrões, foram adotadas: criou-se a Justiça do Trabalho, fábricas com mais de 500 operários foram obrigadas a instalar refeitórios, criou-se o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), que ensinava os operários a comerem direito e para isso instalou restaurantes populares. Nós, pobres jornalistas que viemos para Brasília na inauguração, em 1960, acabada a festança de abril passamos a fazer nossas refeições nesses restaurantes – o do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários do Serviço Público (IAPFESP) era o melhor de todos.

Para coroar tudo isso, veio a Consolidação das Leis do Trabalho que, entre outras coisas, garantia aos trabalhadores estabilidade no emprego depois de dez anos trabalhando na mesma empresa. São, com certeza, medidas muito mais consistentes de amparo aos trabalhadores pobres do que o Fome Zero, que o atual presidente também anunciou no dia da posse, e seu substituto Bolsa Família. Aliás, nesse capítulo da consistência, o governo petista perde até para a ditadura militar – a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) no governo Castello Branco e a extensão da aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais, no governo Emílio Médici, são dois exemplos.

Pelo menos em um campo, em todo caso, o atual governo trata melhor os trabalhadores do que esses dois antecessores: o da liberdade. Nos dois períodos citados a atividade política da categoria foi severamente reprimida, o Partido Comunista, que pretendia ser o PT da época foi posto na ilegalidade, houve prisões, tortura, mortes. Mas liberdade houve, plena e segura, nos governos de JK, Jango, Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique. Como se vê, nosso presidente, que pretende ser o único a governar para 190 milhões de brasileiros, não começou nada, nem foi mais longe do que ninguém – e pelo menos quanto ao primeiro caso, vai ficando numa distante rabeira.